sábado, 13 de setembro de 2008

Como integrar mercadologia com etnografia

* Rodrigo Cogo

As estratégias mercadológicas e a intersecção com os estudos etnográficos foi o tema da segunda parte de treinamento organizado pelo Comitê de Pesquisa da Associação Brasileira de Anunciantes no dia 28 de agosto de 2008 em sua sede em São Paulo/SP. As experiências do contratante Nestlé e suas aplicações reais de dados coletados no processo e ainda do Ibope Inteligência mostraram a efetividade da aproximação.

É preciso captar o rotineiro e o imponderável, não só o excepcional, sobremaneira porque algumas ações estão automatizadas e nem conseguem ser identificadas ou verbalizadas pelas pessoas. Com esta perspectiva, a diretora executiva de Atendimento e Planejamento do Ibope Inteligência, Laure Castelnau, falou do Círculo Etnográfico, este movimento de entrar na vida de alguém, tornar-se invisível e não ter envolvimento exagerado para captar detalhes e sensações relevantes que respondam aos objetivos da pesquisa.

Ela comenta que há uma intensa preparação do time observador com definição de papéis, postura ética e limites antes de ir ao campo para entrevista, observações e registros. Durante o processo, após cada visita, ela indica fazer uma pré-análise com troca de experiências, o que embasa o workshop final. Normalmente, não há identificação do contratante e a pontualidade é um ponto crucial, com pesquisadores vestidos com roupas adequadas ao perfil do estudado. É conveniente ter uma abordagem aproximativa com a pessoa, minimizando ansiedades e distanciamentos para dar maior fluidez ao processo. O sistema, por vezes, envolve mais de um pesquisador, podendo ser um especialista e um representante do cliente. O acompanhante ajuda a cobrir pontos esquecidos, colaborar com ganchos e controlar o tempo, afora fazer fotografias e até filmagens, além de registros escritos. São anotadas frases do entrevistado, dúvidas, pensamentos e análise de ambiente e clima, seguindo a trilogia “o que viu, ouviu e percebeu”.

Com as anotações, aplica-se uma codificação como feita sobre as transcrições da pesquisa qualitativa de grupos, selecionando frases e percepções semelhantes e/ou inusitadas. Na análise, os resultados não são lineares, mas subsidiam inovações e insights e definem padrões e tendências. De toda maneira, Laure indica que a subjetividade esteja presente, porque é um instrumento do pesquisador, em quem se deve de fato confiar. Tudo é consolidado num relatório com participação de todos os agentes. “É preciso agregar aprendizado à vivência, e o workshop final precisa ter foco”, finaliza.

PRÁTICA - Como proposta de crescer agressivamente no mercado de baixa renda nos próximos cinco anos, aprofundando conhecimento e entendimento deste público para subsidiar diretrizes estratégicas, a Nestlé escolheu a etnografia. A intenção era entender os valores, sonhos e expectativas de vida das pessoas, não focando em categorias de produto. Renata Ribeiro, gerente Consumer Intelligence da empresa, explicou como se deu à ida ao campo de 42 executivos-pesquisadores, distribuídos em quatro cidades, com acompanhamento de pessoas por dois dias.

A empresa visualizou oportunidades para valorizar a dona-de-casa como centro da família e como mulher, ajudando no planejamento orçamentário e buscando caminhos para facilitar acesso aos produtos da marca. Com a observação, detectaram a importância de mostrar de maneira didática o rendimento dos produtos e de agregar valores nutricionais. Surgiram daí iniciativas como aproveitar sobras, oferecer embalagens familiares, associar-se com cosméticos como brinde, montar uma cesta diversificada mais acessível, ter embalagens funcionais e reutilizáveis ou que funcionem como refil e utensílios ou até brinquedos. O sistema de distribuição passou a incluir o Porta-a-Porta, pessoas da própria comunidade que comercializam os produtos na sua vizinhança e geram experimentações e boca-a-boca, e ainda caminhões que são lojas exclusivas com toda a linha. “Foram ações, envolvendo toda a empresa e não só o marketing, que surgiram da etnografia”, destaca Renata. A etnografia ajudou a gerar hipóteses para investigação mais profunda sobre novas abordagens ou conhecimentos pré-existentes, sensibilizando a equipe para olhares complementares.

* Texto especial para o Oras Blog!, com cobertura do RP Rodrigo Cogo – Conrerp SP/PR 3674 -
Gerenciador do portal Mundo das Relações Públicas

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