quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Afetos acessam a memória através da contação de histórias

A mitologia grega consagra à figura de Mnemonise a tarefa de zelar pelos conhecimentos mais preciosos do universo, sobretudo por aqueles que advêm das experiências vividas. Deusa da memória, Mnemonise é a guardiã dos arquivos nos quais tudo o que se passa na esfera divina e humana é gravado. Lá estão todos os fatos históricos e as recordações que deles se têm. Lá estão os acontecimentos reais e os virtuais. O segredo desse cofre – ou em linguagem mais contemporânea, a sua senha de acesso –, é dado pelos afetos. Esta foi a perspectiva que deu início ao Comitê ABERJE de Memória Empresarial, realizado na manhã do dia 19 de setembro de 2008 na sede da entidade em São Paulo/SP, através da reflexão do publicitário e professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, João Carrascoza. O encontro, voltado para associados mas aberto para convidados externos, teve como tema “Emoção na Publicidade: uma força aliada da memória empresarial” e reuniu mais de 30 profissionais de diferentes origens envolvidos com a temática.
Segundo Carrascoza, que também é escritor ficcionista e trabalha como redator da agência JWT na capital paulista, são os sentidos que transportam as pessoas a um continente paralelo e labiríntico, onde se busca a matéria leve de que são feitos os sonhos. É por meio de histórias que se pode regressar ao passado para viver um novo presente e futuro, em que os afetos funcionam como gatilhos que acionam os circuitos da memória. A razão é despertada nas dissertações, e a emoção reside na contação de histórias, que são a reconstrução racional de uma emoção emanada da memória e acrescida de imaginação. “Assim, podemos preservar do esquecimento a vida que ali está, fresca e vicejante, ou estática e vitrificada”, complementa. Uma história nasce de algo já vivido, de uma sensação a qual o criador almeja reconstruir, atualizar, operar o milagre de sobrepor à pele das coisas uma nova camada de vida. E, depois de acionada a memória, a imaginacão entra em cena, injetando sangue no novo relato que, por sua vez, fará parte também daquilo que o estudioso chama de “arquivo oceânico de nossa memória coletiva”.
Sempre recorrendo à mitologia, ilustrando seus conceitos e envolvendo a platéia, o professor conta que a deusa Mnemosine é filha de Urano (representa o Céu) e de Gaia (evoca a Terra), sendo mãe de nove musas do Olimpo, cada uma responsável por uma arte – Calíope (poesia épica), Clio (história), Euterpe (música), Erato (poesia lírica), Terpsícore (dança), Melpomene (tragédia) e Talia (comédia), evidenciando esta conexão com a sensibilização das pessoas. Daí que o resgate da memória pode ocorrer por meio dos cinco sentidos, e ele cita diversas personalidades que despertavam seu senso criador e sua emoção por intermédio das sensações, como Proust que escreveu “Em Busca do Tempo Perdido” degustando as bolachas francesas Madeleine, ou ainda Warhol que se encantava com perfumes, afora a centralidade do tato no quadro “Criação do Homem” de Michelângelo como ponto-de-partida da humanidade.
Com a experiência de ser autor de vários livros, como “Razão e sensibilidade no texto publicitário”, ele assinala que também no âmbito empresarial as corporações necessitam acionar a memória afetiva de sua comunidade para delas se aproximar. Por meio de histórias, consubstanciadas pela sua publicidade e pelos seus materiais e espaços institucionais, as organizações podem, de forma envolvente, interagir com seus públicos. E assinala: “para estar presente, precisamos contar a nossa história. Sejamos um homem ou uma empresa. Toda história, por mais simples que seja, sempre é uma chance de lembrarmos de nossa condição e, ante a sua dor e a sua delícia, compartilharmos afetos”. É consenso entre os presentes que se vive um momento em que a memória vem sendo muito acionada nas estratégias, porque são muitas histórias entremeadas num cotidiano fragmentado e globalizado. O que se deseja é obter diferenciação e entendimento. Afinal, como diz o filósofo russo Mikhail Bakhtin citado pelo palestrante, não existiria discurso puro – há sim uma intertextualidade, em que tudo seria híbrido. Como as memórias se sobrepõem, ganham o mundo e se tornam coletivas, avulta a importância da contação individual de histórias para garantir particularidade. Ele comenta que entre os instrumentos está a retomada de pedaços de mitos, que representam valores da organização, permeando futuras histórias, como os “mitemas” de Lévi-Strauss.
O processo criativo na área deve partir de uma análise do momento de vida da organização e do tipo de comunicação já realizada, inclusive dos concorrentes. A contação de histórias como recurso comunicativo depende do nível de conhecimento preexistente da empresa e de seus produtos pelos consumidores e cidadãos, pra poder fazer sentido. De toda maneira, a emoção também pode vir da memória de um funcionário, e começar por este viés. Para que boas idéias sejam efetivadas neste caminho, Carrascoza sugere que profissionais ligados a centros de memória estejam presentes em todas as reuniões de internas e com fornecedores para planejamento da comunicação. “São eles que dão o lastro de informação, a essência, embora cada um é autor da história atual da sua empresa. Todos devemos torná-la inesquecível”, enfatiza. Diante de alguma dificuldade de formatar argumentos, ele brinca e lança a pergunta pra finalizar: “o que é a vida que não lutar por causas perdidas?”.

* Texto especial para o Oras Blob!, com cobertura do RP Rodrigo Cogo – Conrerp SP/PR 3674 -
Gerenciador do portal Mundo das Relações Públicas

Um comentário:

Leslie**** disse...

Adoro mitoloiga grega, não conhecia esta.eheheh!
gostei!
Bjs!