domingo, 2 de março de 2008
Comunicação não é tema de um setor só
Falar com o público interno e realizar uma comunicação integrada, de forma sistemática e convergente, são desafios conhecidos pelos comunicadores. A grande questão desta era da conversação, com múltipla interlocução com os públicos estratégicos, está na necessária abertura do setor para outras capacidades. A Antropologia, a Sociologia, a Psicologia – só pra citar de maneira mais concreta algumas especialidades – ganham espaço e demonstram que a geração e a distribuição de informação e conhecimento devem partir de todos os setores de uma organização. É esta perspectiva que pode resumir o 8. Mix, realizado pela Associação Brasileira de Comunicação Empresarial no dia 28 de fevereiro de 2008 no Novotel Jaraguá em São Paulo/SP, reunindo profissionais de vários estados para posicionar os comunicadores como agentes estratégicos desta nova composição.
A formatação do programa teve um claro objetivo: partilhar informações, trocar experiências e difundir boas práticas. E do ponto-de-vista de grandes players do mercado. Assim surgiram no palco os responsáveis pela comunicação de empresas como Itaú, Vale, Oi, Wal-Mart, Fiat, Atento, Weg e Petrobras, tendo como partida um tema cada vez mais presente no cotidiano das organizações: processos de mudança causados por fusões. A vivência da compra do BankBoston pelo Itaú foi mostrado pela superintendente de Responsabilidade Sócio-Ambiental, Sônia Favareto, que relatou o período angustiante de duas semanas de boatos, acirrados por notas em meios jornalísticos impressos e eletrônicos, antes da oficialização do negócio e do início efetivo de ações de acompanhamento e esclarecimento junto às equipes envolvidas. “Esta fase híbrida de perda e expectativa do ‘não mais’ para o ‘ainda não’ deve ser alvo da comunicação interna”, aponta. Neste caminho, é preciso preparar para a mudança, lidar com as indefinições, acolher e valorizar profissionais, preservar vínculos de confiança e administrar o tempo exíguo pra que tudo aconteça e uma nova “normalidade” possa ser atingida.
A executiva fez uma mostra das peças que envolveram o “Legal Day One”, com a abertura das portas já sob nova bandeira – aliás, numa alteração de logomarca feita no final de semana anterior em processo de mutirão. Foi entregue uma mala-direta para todos os funcionários; realizada uma Festa da Copa, aproveitando o campeonato de futebol para implementar uma despedida simbólica onde foi dado um DVD mesclando a história das copas com a história do Banco comprador junto de uma carta da Diretoria; feita uma recepção por gerente da agência Itaú Personalité mais próxima; produzida uma adesivação de elevadores com chamada conectada à campanha publicitária vigente; entrega de kit de identificação de mesa e crachá para cada colega e do Código de Ética do novo empregador. Em todo o percurso, Sônia sugere que não seja perdido o uso da emoção, porque são atos que envolvem pessoas e suas sensações.
Mesmo com algumas diferenças de procedimento, a situação da absorção da Telemar pela Oi não teve menos impacto. Manoela Osório, gerente de Comunicação Interna, responsável por 10 mil funcionários diretos, 35 mil terceirizados de rua e outros 65 mil terceirizados de atendimento, contou da estranheza da convivência de duas marcas, com seus símbolos e cores, durante dois anos, até haver o alinhamento visual. Além disso, reconheceu que variações no estilo de gestão das organizações, como na hierarquização ou na agilidade na tomada de decisão – afora a própria imagem no mercado -, são complicadores do trabalho. Sua atuação esteve centrada no conceito de Endobranding, buscando mobilizar um exército de embaixadores de marca em nome de um novo jeito de ser. Entre os pilares da comunicação, estão informar, engajar, concluir e reconhecer.
A aquisição da mineradora canadense Inco pela então Companhia Vale do Rio Doce deu continuidade ao painel, com a gerente geral de Comunicação, Madelon Piana. Sua equipe atuou sobremaneira com os 12 mil funcionários da empresa adquirida, em quatro idiomas, embora não tenha deixado de lado os 48 mil funcionários da Vale espalhados pelo mundo. Para ela, tratar do temor da perda de emprego e do conflito derivado da perda de prestígio dos canadenses pela venda de uma companhia de tamanho prestígio foram alguns dos obstáculos ao livre fluxo de informações. Eles contrataram uma consultoria nativa para desenvolver um trabalho cultural mais adequado, até mesmo para ajustes lingüísticos, e aplicaram algumas ferramentas: carta aos funcionários reforçando sinergia dos negócios, vídeo de boas-vindas, newsletter na Inco, campanha interna, hotsite e ainda posters e outdoors no Brasil, afora vários outros procedimentos para uma aglutinação tranqüila.
SUSTENTABILIDADE - As ações do programa “Simples atitudes ao alcance de suas mãos” da Wal-Mart Brasil mostraram que tudo começa em casa para poder ter a força necessária de incorporação no ambiente de trabalho. O exemplo do Projeto Pessoal de Sustentabilidade (PPS), que até contou com seu próprio presidente como garoto-propaganda “Capitão Água”, no incentivo à adoção de atitudes individuais e caseiras em sete focos - como redução e reciclagem, saúde, consumo responsável e voluntariado – foi bem recebido pela platéia. Todos os funcionários que aderem à idéia concorrem a uma premiação anual, prestam depoimento para folheteria de incentivo interno e são identificados por pins e bottons em lojas decoradas por móbiles, todas candidatas a ponto-de-venda mais sustentável. Disto surge o calendário de boas ações, reforçado pelo livreto “12 Princípios do Consumo Consciente”.
Sustentabilidade é contribuir para o desenvolvimento econômico e social através da criação de valor por meio de elevados padrões de governança. Com este conceito, o diretor de Comunicação Corporativa da Fiat, Marco Antônio Lage, elencou as atitudes da montadora para legitimar de maneira concreta o tema junto a seus mais de 22 mil funcionários diretos, afora 15 mil indiretos: racionalização do processo produtivo com economia de água equivalente ao consumo de 300 cidades, 93% de reciclagem dos resíduos da fábrica, desenvolvimento de carro elétrico e criação do motor flex. Na Fiat, o comprometimento do público interno acontece por seu envolvimento direto sustentado pela cultura organizacional, em ação gerida por um comitê transversal que viabiliza práticas cotidianas, na empresa e junto aos familiares em casa. “É preciso um plano coerente, 360 graus, para atingir todos os stakeholders”, justifica.
INOVAÇÃO – Estratégias diferenciadas de relacionamento com o público interno, com novas mídias e ações de experiência de marca, foi o debate do início da tarde. Ana Cristina Santos, da Comunicação da Atento, enfatizou a relevância de pesquisas pra formatar o melhor plano de atuação. Com o entendimento de que comunicação não é só falar, mas sobremaneira ouvir, ela não hesita: “fazer pesquisa é um negócio que sempre dá certo”.
Ana baseia projetos em valores da empresa, como a diversidade, que tematiza campanhas alinhadas a datas promocionais, buscando a participação do funcionário com frases e fotos para ter acesso a premiações estimulantes. Entre os instrumentos aplicados, estão revista interna, jornal-mural, intranet com chat e comunicados digitais por email e SMS, e até mesmo o “casual Day” às sextas-feiras que virou literalmente o “Dia do Pijama”, para estabelecer contato com seus 65 mil funcionários. No evento, a prioridade foi a exposição da AtentoTV, com linguagem dinâmica, jovem e participativa para atrair a atenção do público, apresentada por integrantes recrutados da própria equipe.
O analista de Marketing da catarinense Weg, Caio Mandolesi, traçou o encaminhamento da inauguração do Museu Weg, inaugurado em 2001. A estrutura recebe mais de 18 mil pessoas por ano em uma estrutura moderna para contar a história dos motores elétricos e da empresa e seus fundadores. Ele apresentou o planejamento estratégico para a recepção dos visitantes, aumento do fluxo de visitas, projeto de itinerância do acervo e formação de pólo cultural regional. Com os colaboradores, a interação do Museu se baseia em integrar funcionários voluntários como monitores de visitas de escolas, sediar eventos festivos, de treinamento e ações culturais (abertas à comunidade). “O Museu está tendo este papel importante de segurar a cultura, os valores da empresa, e influenciar a geração mais nova que chega”, revela.
Na Petrobras, um complexo de comunicação interna voltado para 250 mil pessoas (50 mil funcionários diretos, 50 mil aposentados e 150 mil prestadores de serviço) sempre exige novidades para garantir a atenção. De todo modo, as novas mídias, embora não se recuse a necessidade de diálogo e os novos hábitos das pessoas, são vistas com realismo: como nem todos têm acesso a micros, a estratégia impressa continua relevante. Assim foi iniciado o depoimento do gerente de Relacionamento, Luiz Otávio Dornellas, para depois mostrar as ações como podcast, SMS, boletim digital, intranet Petronet e a webTV. Esta última já envolve 24 programas mensais transmitidos a 44 mil computadores, compostos por fala do presidente, promoções, enquetes, cobertura de eventos. “Os veículos conversando entre si, remetendo conteúdo um ao outro, com algumas convergências, é o caminho ideal”, aposta.
Na intranet Petronet, tem até um Bolão da Fórmula Um, cuja premiação dos 20 melhores colocados (que acertaram mais pódiuns) é viajar pro Grande Prêmio Brasil. No campo das redes sociais, Dornellas diz que estão sendo feitos testes com blogs, fóruns e comunidades para perceber a vontade do funcionário tornar-se emissor de informação. Outra novidade podem ser painéis digitais, semelhantes aos dos aeroportos, para uma comunicação mais instantânea. O diretor completa: “a comunicação é um fenômeno entre pessoas, nunca podemos esquecer isto. As mídias digitais trazem suas vantagens, mas não fazem tudo sozinhas”.
A comunicação precisa de outros olhares
A antropóloga Lívia Barbosa, da Universidade Federal Fluminense, foi uma das grandes sensações do 8. Mix Aberje neste final de fevereiro. Mesmo fechando uma maratona de palestras, manteve o público atento e recebeu longa sessão de aplausos. Ela começou pontuando que focos em sua disciplina de estudo passaram da carência e da marginalidade para a análise de quaisquer grupos humanos em suas interações contemporâneas, e neste caminho as empresas são preponderantes. “Elas se mostram como a instituição mais dinâmica da sociedade moderna, por conta de sua necessidade de adaptação permanente”, explica.
Lívia comenta que, como os significados são contextuais, dependendo de quem emite e de quem recebe, é muito difícil precisar as reações de um processo de comunicação. Todavia, há uma tendência no Brasil de supremacia da oralidade e das relações pessoalizadas, em que atividades em grupo são formadas pelo prazer existencial, sem foco em objetivos. E isto traz grandes repercussões: inadequação para ler rótulos e manuais de instrução, falta de resultados em reuniões, recusa da formalidade e até do tom oficial escrito, dificuldade de assimilar recursos autodidatas e atitudes “faça você mesmo”. Esta situação pode vir a ser alterada pela web 2.0 e seus sistemas colaborativos, que desenvolvem esta aptidão. Uma permanente teoria da conspiração e o estigma que se incorpora a quem acredita nas comunicações oficiais explícitas são outros pontos derivados da nossa cultura, o que explica a desconfiança nas autoridades e nas instituições e mostra a importância da transparência permanente para não gerar mais motivos para questionamentos. Neste caminho, a informação ampla precisaria circular.
Nos processos de mudança, como fusões e demissões, há uma redefinição da realidade que deve ser muito cuidada. Como ninguém se relaciona neutramente com o trabalho, porque é uma relação que encerra muitas emoções, até mesmo transferência de setor causa impactos fortes. A antropóloga alerta: “também nestes casos se percebe que é muito comum as pessoas não saberem em que ponto estão inseridas, e quanto são importantes para a organização, e isto deve ser clareado”. A extrema hierarquização e autoritarismo da sociedade brasileira, em que regras não funcionam para todos e existe mais uma anuência formal do que compreensão ou concordância das equipes, leva a um panorama que prejudica a comunicação. E constata: “aqui não se discute com o chefe, não se estimula o debate. Se o faz, é visto como posição pessoalizada”.
TENDÊNCIAS – Lívia aponta uma tendência de anulação de diferença entre empresa, produto e serviço, todos assinando a logomarca da corporação, que se explicita e se mostra responsável por sua atuação, surgindo uma comunicação institucional muito mais forte.
A separação entre comunicação institucional ou mercadológica dos serviços de atendimento ao consumidor é algo que deve acabar. Do contrário, na opinião da estudiosa, vai derrubar a credibilidade de qualquer projeto empresarial, afinal os SAC’s no cotidiano das pessoas dizem muito mais de uma empresa do que as comunicações oficiais.
*Texto especial para o Oras Blog!, com cobertura do relações públicas Rodrigo Cogo - Conrerp RS/SC 1509, gerenciador do portal Mundo RP, . Contato pelo email: rodrigo@mundorp.com.br .
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